Formatura Medicina Souza Marques

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domingo, 16 de setembro de 2012

" Como não tinha morrido ninguém? Tinha morrido o mundo e, dentro dele, os olhos amorosos de Rubinho ali deixados. "

E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos sem socorro, nós brinquedos que somos, talvez de anjos distantes! Nasci ali, conhecia cada cantinho, um por um... de tanto mirá-los aprendi a amá-los. Andava livre pelas ruas, o cão era sagrado; era ali que eu passei a minha infância e adolescência. As brincadeiras de rodas na minha rua, a alegria de pisar naquele chão com minhas sapatilhas de baliza, a corrida atrás dos palhaços de circo para ganhar um ingresso. "Hoje tem, hoje tem?" Hoje tem espetáculo lá na rua do buraco? A criançada respondia: "Tem sim,senhor." Os parquinhos de diversão...as barraquinhas que chegavam, nos mostruários, os brinquedos, – uns , pendentes de longos barbantes; outros, apenas entrevistos em suas caixas. Ah! Maravilhosas bonecas louras, de chapéus de seda! Pianos cujos sons cheiravam a metal e verniz! Carneirinhos lanudos, de guizo ao pescoço! Piões zumbidores! – e uns bondes com algumas letras escritas ao contrário, coisa que muito nos seduzia – filhotes que éramos, então, de Cecília Meireles, fazendo a nossa poesia concreta antes do tempo. Era "Festa de Setembro em Capelinha!" Vestidos e sapatos novos para o dia 24. Nunca me esqueci de um vestido de tira bordada que minha mãe costureira fez para mim. Amávamos as barraquinhas, as músicas. Amávamos os brinquedos sem esperança nem inveja, sabendo que jamais chegariam às nossas mãos, possuindo-os apenas em sonho, como se para isso, apenas, tivessem sido feitos. Assim, era a festa para todos nós, mas o momento maravilhoso sempre foi o passeio com a Mãe de Deus pelas ruas daquele lugar que foi premiado com a imagem de Nossa Senhora das Mercês - símbolo sagrado - lindo presente do Barão e da Baronesa de Coqueiros. Hoje, como professora de Códigos e Linguagens, como gostaria de deixar claro que nunca a adoramos, apenas a amamos do fundo do nosso coração. Ela, um espelho do invisível. Ora, uma noite, correu a notícia de que Capelinha incendiara. E foi uma espécie de festa fantástica. O fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam chispas e labaredas pela rua toda. A multidão queria ver o incêndio de perto, não se contentava com portas e janelas, fugia para a rua, onde se ouvia gritarias e lamentos. Um enfurecido homem que horas fora expulso do clube por tirar a camisa ao travar uma luta zoomórfica com um arrogante capataz que desfilava em um cavalo pelas ruas de minha terra natal, conhecia-o de vista, pensava que aquilo que fazia era apenas contentamento, mas não, sujeito vaidoso que se remete ao "Pequeno Príncipe" quando visitou o planeta dos vaidosos, sentiu-se triste porque ele dizia: "BATA PALMAS PARA MIM!" Sentia-se o dono do planeta, quem sabe, o jagunço traçado por Guimarães Rosa. Ao saber que o outro o esperava com uma faca, forma um bando e caminha em direção ao vampiro, irmão de Caim. Infelizmente, alguém tinha morrido – diziam em redor. Tinha morrido o mundo e, dentro dele, os olhos amorosos de Rubinho, ali deixados. O meu coração foi queimado, meus sonhos destruídos, Rubinho nunca mais o vi. Capelinha é hoje um campo desértico, lugar do sacrifício. (Intertextualidade - Cecília Meireles)

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